sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

António Pinto Lei in expresso:

Hoje contra mim falo: estou cansado de análises de dividir o carisma de alguns pelas manias de todos. hoje quero usufruir de uma liberdade que por vezes ignoro, a de não só escrever o que penso, mas de sentir o que escrevo.

Fui homem que viveu intesamente a fé. Perdi-a por aí, nessa revoulução libertária que encheu a alma e dispensou as regras de Deus, há 20 anos.

Não me distanciei da fé porque a considerasse reaccionária, como bastantes desse tempo. Sempre pensei, aliás, que a fé é algo de tão sério e de tão profundo no coração dos homens que só inteligências menores a podiam situar em direitas e esquerdas, em progressismos e conservadorismos. Também nunca culpei a Igreja dos pecados do mundo, nem os padres, dos meus. Sempre achei que a Igreja tem as costas demasiado largas para o nosso egoísmo.

Perdi, mesmo assim, a fé. Primeiro, porque a Igreja, apesar de não ser culpada dos pecados do mundo, me pareceu irrelevante na minha relação com Deus. Depois, porque Deus se tornou tão distante que a certa altura me pareceu irrelevante na minha relação com os outros.

A isto somaram-se outros dois factores. Por um lado, o gosto de exercitar uma lucidez, por vezes tenebrosa, que me fazia sentir íntimo das multiplas verdades e vulnerabilidades da vida. Por outro lado, a natureza fez-nos de abismos,e eu visitei, com imprudência excessiva, o abismo da perfeição que todos os jovens trazem dentro de si. Um dia desencatei-me de mim, incapaz que era de atingir a santidade, objectivo que sempre me ocorria ser o único válido.

Houve, entao, explicações generosas para tudo. Alguns seguiram o seu caminho indiferentes a Deus. eu não: desconfiei desde o princípio que, ao desistir de Deus, era de mim que desistia. Recusei-me a essa desistência, mas quando despertei já era tarde: tinha na mesma para fazer, dentro de mim, tudo quanto Deus nos pede, mas estava infinitamente só para o fazer.

Não sei se Deus é como um amor antigo, que passa ficando. Sei eu como muitos, perdi totalmente a fé, sem me perder totalmente de Deus. E o que nos une - e a Deus? - é a mensagem de amor, de justiça, de verdade de simplicidade, de destino, que aprendemos e repetimos dentro de nós.
é nessa labirinto de saídas obvias mas se calhar impossíveis que irei a Fátima dia 13. Olho para o mundo e para os outros, para o futuro e para mim, e acho prudente proteger-me e aos que cativo com a necessidade de absoluto. Como julgo impudico esperar pela sensação da morte para procurar Deus, confio o meu coração aos seus próprios riscos. Por isso vou a Fátima, numa confusão de sentimentos unidos pela minha determinação.

Vou a Fátima simplesmente porque sinto necessidade de ir e não quero aprisionar esse sentimento livre em nenhuma infatigável instrospecção. Vou a Fátima porque o tempo e a razão me cercam: a esperança quer dar o lugar, parece que por sensatez, à ausência de expectativas relativamente aos outros,e eu quero resistir até ao fime merecer que outros resistam por minha causa. Vou a Fátima porque me inquieta me inquita um mundo sem espiritualidade e não quero deixar apenas às gerações futuras os rios e os mares limpos e as florestas e o lince da Malcata, mas também o essencial do Homem, a alma, a sua secreta grandeza, aquilo que o distingue diante do mistério da vida e aquilo que nenhum electrodoméstico, ou automóvel ou taxa de juro, ou cartão jovem consegue iludir.

Vou a fátima porque mesmo que Deus não exista é verdade o que se diz em seu nome, e posso regressar sem Deus, mas regressarei sempre mais próximo dos outros homens. Vou a Fátima porque quem vive da memória da fé tem uma ilusão: encontrar numa noite fria, numa multidão acreditando, no silêncio produndo dos cânticos e numa solidão corajosa, o que não encontrou nos milhares de páginas meditadas sobre a nossa natureza e o nosso destino. Vou a Fátima porque leio nos olhos do mundo e nos olhos do poder a mais perigosa ausência de fé: a falta de fé nos homens. Fé na sua generosidade e não só na sua gratidão; fé na sua capacidade de se transcender e não só na sua índole de competir; fé na sua liberdade interior e não só na sua liberdade de escolha; fé na sua ansiedade de ser e não só na sua vontade de ter; fé no sonho de se entregar e não só no seu talento para organizar e facilitar.

Vou a Fátima porque suporto tão mal os moralistas como os cínicos e vejo a discussão dos valores cada vez mais entregue aos que querem acreditar por mim e aos que querem que em nada acredite. Vou a Fátima porque acredito no melhor que há dentro de cada homem e acredito que quase todos os homens acreditam como eu, mas é preciso alimentar a força interior que suporta a nossa fé na humanidade. Vou a Fátima porque já não sei se o Papa representa Deus na Terra e por isso pode ser que represente e pode ser que descubra de novo.

Vou a Fátima simplesmente. A fé faz-me falta, Deus faz-me falta. Escrevo-o humildemente. Sentado nesta igreja e certo de que partilho algo com alguém.