terça-feira, 20 de novembro de 2007

A Esquerda e a Escola

Zero valores. Esta poderia ser a nota final que os pais portugueses dariam ao Governo no que diz respeito ao estado actual - e ao que se propõe para o futuro - da Educação no nosso país. Tudo começou com uma aposta 'ingénua' da ministra da tutela: criar um estatuto do aluno que permite acumular faltas sem, potencialmente, prever qualquer penalidade. Como terminará tão disparatada iniciativa? A pretexto da defesa desta ideia, Maria de Lurdes Rodrigues desmultiplicou-se em entrevistas à comunicação social que, se outra virtude não tivessem, permitiram clarificar o posicionamento deste Governo sobre ideias tão "absurdas e retrógradas" como a liberdade de escolha - "uma coisa de direita para privilegiar sempre os mesmos" -, o cheque-ensino e o papel reservado ao ensino privado: "educar os filhos dos ricos".

As esclarecedoras entrevistas coincidiram com a publicação dos "rankings" das escolas do secundário que, uma vez mais, puseram a nu uma evidência que se tem vindo a consolidar depois do 25 de Abril: a enorme diferença de qualidade entre escolas privadas e públicas em Portugal. Como "o ensino privado é para quem tem dinheiro e não pode ser comparado ao das escolas públicas", resultam duas consequências ideológicas deste cristalino raciocínio: os "rankings" não servem para nada e a desigualdade social jamais será atenuada pela escola.

É evidente que a diferença das notas entre ensino privado e público também resulta do facto de o ensino privado ser mais selectivo. O ambiente social justifica diferenças. Mas querer reduzir tudo a este factor é puro preconceito ideológico. São vários os exemplos no "ranking", que se repetem ano após ano, de escolas privadas em zonas não privilegiadas e com contratos de acesso com o Estado, com resultados meritórios e superiores aos das escolas públicas com quem competem directamente.

O factor substancial que explica o êxito de muitas das escolas privadas reside na autonomia de gestão e na concorrência a que estão submetidas: a liberdade de definirem o seu projecto educativo, de escolherem os professores, a exigência a que são obrigadas para cativarem alunos. Desse exemplo de boas práticas deveria o Estado retirar diversas lições, desmontando a máquina infernal centralizadora com assento há décadas no Ministério e concedendo às escolas públicas liberdade e responsabilidade, submetendo-as à regra de ouro que estimula a qualidade: a concorrência. O princípio da liberdade de escolha através da concessão do cheque-ensino transfere poder para os pais, permitindo que alguns deles, menos abastados, possam colocar os seus filhos nas escolas que entendam melhores, sejam elas públicas ou privadas. A concorrência ficaria institucionalizada.

Que o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista se encarnicem contra a liberdade de escolha é compreensível. Um sistema que retira poder centralizador ao Estado e o transfere para as famílias é, em si mesmo, uma ameaça: permite maior dinâmica social e põe fim ao estigma da desigualdade social que se prolonga na escola actual. Onde iriam esses partidos colher o seu pasto eleitoral num país menos desigual nas oportunidades que concede aos seus filhos e onde a pobreza fosse atenuada pelo sistema educativo? Que a ministra da Educação de um governo liderado por um PM reformista - que tem em Blair uma referência fundamental - defenda posições tão ultrapassadas parece-me insustentável. O futuro dirá se tenho, ou não, razão...

António Pires Lima in Expresso (opinião)